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Luz que chega de barco: projeto leva energia solar a comunidades quilombolas do Marajó


Redação: Thiago Herminio


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No início de junho de 2025, uma embarcação partiu do terminal hidroviário de Belém com uma carga especial. Não transportava apenas ferramentas e equipamentos, mas principalmente esperança. Durante três dias intensos, as comunidades quilombolas Santana do Arari e Tartarugueiro, localizadas na Ilha do Marajó, no Pará, receberam o projeto do Litro de Luz Brasil em parceria com a Copa Energia, que resultou na instalação de oitenta postes de luz solar. A ação transformadora levou quarenta e cinco postes para Santana do Arari e trinta e cinco para Tartarugueiro, números que representam muito mais do que simples estatísticas.


O trabalho contou com uma equipe dedicada de treze voluntários do Litro de Luz, seis colaboradores da empresa parceira Copa Energia e, fundamentalmente, a participação ativa dos moradores locais. Essa integração entre visitantes e comunidade foi essencial para o sucesso da iniciativa, criando laços que permanecerão mesmo após o término do projeto.


O impacto direto atingiu duzentas e vinte pessoas, sendo cento e vinte e duas em Santana do Arari e noventa e oito em Tartarugueiro, considerando as residências localizadas num raio de cinco metros dos postes instalados. Entretanto, o alcance simbólico e social da iniciativa foi incalculavelmente maior. Um morador expressou esse sentimento durante os cinquenta e dois questionários aplicados durante a ação, afirmando que finalmente se sentiam vistos após tantas promessas não cumpridas ao longo dos anos.


A escuridão era uma realidade constante nessas comunidades tradicionais. Dados do relatório revelam que 88,46% dos entrevistados classificavam a iluminação local como ruim antes da intervenção do projeto. Muitas ruas que davam acesso ao rio, pontos vitais de circulação para os comunitários, ficavam completamente às escuras após o pôr do sol, dificultando atividades básicas e representando sérios riscos à segurança. Outro morador compartilhou seu alívio ao ver iluminada uma área perigosa perto de sua casa, onde havia frequente ocorrência de cobras e outros animais peçonhentos.


Formação de embaixadores locais

Antes da instalação das luzes, veio a capacitação. Seguindo a consagrada metodologia "Nosso Jeito", o Litro de Luz formou dezenove embaixadores locais, sendo sete mulheres, que agora assumem a responsabilidade pela manutenção dos postes e funcionam como elo permanente entre a comunidade e a organização. Um dos comunitários agradeceu pela oportunidade de aprender algo novo, destacando o valor do conhecimento repassado sobre a montagem e manutenção dos equipamentos.


O processo começou em abril com visitas de aproximação e a instalação do poste modelo, realizado mesmo sob forte chuva, demonstrando o comprometimento de todos os envolvidos. Em junho, ocorreu a ação principal, quando voluntários, embaixadores e moradores se organizaram em diferentes frentes de trabalho: montagem, instalação, mensuração de impacto e atividades recreativas com as crianças. Vale destacar a participação de estudantes do ensino médio local, especialmente significativa considerando que Tartarugueiro é a única comunidade da região que oferece essa etapa de ensino.



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Depoimentos que emocionam

Os relatos coletados durante a ação revelam transformações que vão muito além da iluminação pública. Os moradores falam sobre a nova segurança para caminhar até a igreja à noite, a expectativa de receber visitas para as festas comunitárias e o alívio do medo constante de animais peçonhentos. Uma moradora compartilhou um episódio dramático onde um professor foi picado por cobra e enfrentou enormes dificuldades para ser transportado até Ponta de Pedras devido à escuridão, reforçando a urgência da iluminação pública.


Um voluntário da Copa Energia capturou a essência da experiência ao afirmar que mais importante que a instalação dos postes foi ver a luz brilhar nos olhos da comunidade. Ele descreveu o abraço dos comunitários, tanto físico quanto emocional, como mais eloquente que qualquer palavra. Outro participante destacou a interação com as crianças, emocionando se ao perceber que mesmo os mais jovens compreendiam perfeitamente a importância do que estava sendo realizado.


Alinhamento com objetivos globais

A iniciativa está perfeitamente alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela Organização das Nações Unidas. Contribui significativamente para energia limpa e acessível, contemplando o ODS 7, promove cidades e comunidades sustentáveis do ODS 11 e fortalece a igualdade de gênero do ODS 5, com expressivos 48% de participação feminina nas pesquisas e sete embaixadoras formadas, garantindo que as mulheres assumam papel de liderança no desenvolvimento comunitário.


Desafios logísticos superados

A localização das comunidades apresentou desafios logísticos consideráveis. O acesso só é possível através de viagem de barco partindo de Belém, seguida por deslocamento por trilhas ou embarcações menores. O transporte de materiais e equipamentos exigiu planejamento minucioso e o apoio fundamental dos moradores locais, que conhecem como ninguém as peculiaridades da região.


Em Tartarugueiro, a presença de grandes árvores que bloqueiam a luz solar representou um obstáculo adicional, exigindo podas estratégicas realizadas pelos próprios comunitários. A comunidade também enfrenta a falta de energia elétrica para freezers, obrigando os moradores a comprar gelo semanalmente de um barco para conservar alimentos e medicamentos.


Saúde e educação iluminadas

A ausência de uma Unidade Básica de Saúde em Tartarugueiro força os moradores a se deslocarem até Santana do Arari para atendimentos médicos, trajeto que se torna especialmente perigoso à noite sem iluminação adequada. Em Santana, a UBS local está em reforma há tempo indeterminado, e parte dos atendimentos vem sendo realizados na residência de uma moradora, situação improvisada que demonstra a carência de infraestrutura básica.


Na educação, Tartarugueiro se destaca por ser a única comunidade da região a oferecer ensino médio, atraindo jovens de localidades vizinhas. A iluminação noturna permitirá novas possibilidades de estudo e atividades extracurriculares, ampliando o horizonte educacional dos estudantes.


Sustentabilidade garantida

A metodologia aplicada pelo Litro de Luz assegura que o conhecimento permaneça nas comunidades após a partida dos voluntários. Os embaixadores formados receberam treinamento técnico completo sobre montagem, instalação e manutenção dos postes solares, além de kits de ferramentas para realizar reparos quando necessário. Esse empoderamento tecnológico representa talvez o legado mais duradouro do projeto.



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Cultura e tradição preservadas

As comunidades de Santana do Arari e Tartarugueiro carregam consigo uma rica herança cultural quilombola, com tradições que remontam a séculos. A economia local mantém forte ligação com atividades tradicionais como pesca, extrativismo e agricultura de subsistência, características das comunidades marajoaras.


A igreja histórica de Santana do Arari, datada de 1888, testemunha a longa trajetória dessa comunidade. A iluminação noturna permitirá a realização de atividades culturais e religiosas após o anoitecer, fortalecendo os laços comunitários e preservando tradições que fazem parte da identidade local.


Turismo comunitário potencializado

Durante o mês de julho, a região recebe um grande fluxo de turistas atraídos pelas praias locais. A iluminação noturna abre novas possibilidades para o turismo comunitário, permitindo que visitantes circulem com segurança e participem de atividades culturais durante a noite. Um morador expressou sua expectativa de que agora poderão receber mais pessoas para as festas comunitárias, já que muitos evitavam visitar a comunidade devido à escuridão.


Perspectivas para o futuro

Os resultados do projeto apontam para um futuro mais promissor para essas comunidades tradicionais. A iluminação pública representa o primeiro passo para outras conquistas, como melhorias no sistema de saúde, educação e geração de renda. Os moradores demonstram consciência de que a energia solar pode ser o ponto de partida para um ciclo virtuoso de desenvolvimento.


Uma voluntária resumiu a experiência como a realização de seu propósito pessoal de ajudar outras pessoas através de ações concretas, atuando de forma autêntica sem precisar de "máscaras" para ser aceita. Outro participante destacou a motivação de contribuir significativamente com uma causa social, unindo propósito de vida e impacto real.


Tecnologia social replicável

A metodologia aplicada nas comunidades do Marajó já foi testada e aprovada em diversas localidades pelo Brasil, tendo recebido certificação como tecnologia social pela Fundação Banco do Brasil. Essa abordagem combina conhecimento técnico com profundo respeito pelas particularidades locais, garantindo que as soluções implementadas sejam apropriadas e sustentáveis.


O sucesso da iniciativa reforça a importância de parcerias entre organizações da sociedade civil e empresas privadas para enfrentar desafios sociais complexos. A Copa Energia, como parceira do projeto, demonstra como o setor privado pode contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento comunitário.


Legado que permanece

Quando a noite cai sobre o Rio Arari, as luzes dos postes solares agora guiam não apenas os caminhos, mas também a certeza de que mesmo na escuridão da floresta é possível iluminar o futuro. As comunidades de Santana do Arari e Tartarugueiro escreveram mais um capítulo de sua história de resistência, mostrando que desenvolvimento e tradição podem caminhar juntos quando há vontade coletiva e compromisso genuíno.


O projeto vai além de levar luz onde antes havia escuridão. Significa reconhecimento, dignidade e esperança para pessoas que há gerações convivem com a invisibilidade. Como disse um morador, finalmente se sentem acolhidos, com um olhar mais carinhoso sobre sua comunidade. E essa talvez seja a maior iluminação de todas.


Sobre o Litro de Luz Brasil

Presente em mais de 15 países, o Litro de Luz já impactou mais de 35 mil pessoas no Brasil com soluções de iluminação sustentável, feitas com materiais acessíveis e replicáveis. A organização atua por meio de voluntários, formação de lideranças locais e parcerias estratégicas.


Iluminando o Brasil, uma garrafa de cada vez.






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