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Memórias que impactam

Um relato de experiência de uma ação do Litro de Luz na Amazônia


Redação: Adriano Araújo


Em uma manhã chuvosa, típica do mês de abril em Manaus, chegamos à Marina do Davi – local de onde, diariamente, partem centenas de embarcações - como uma rodoviária em dias de feriado prolongado - que seguem em muitas direções. No local, encontramos rostos felizes que nos perguntam: "Vieram pra ação?", respondemos que sim, correspondendo ao sorriso afetuoso.


Em alguns minutos estamos dentro de uma pequena lancha que nos leva para o local que será a nossa casa pelos próximos dias. O Splendor, uma embarcação de três andares, equipado com toda infraestrutura necessária e uma tripulação super amigável!



Após a testagem da Covid-19, recebemos abraços calorosos e nos sentimos em casa, literalmente. Nos preparamos para nos desconectar da terra firme. Em algumas horas estaríamos navegando pelo majestoso Rio Negro. Seguimos sete horas rio abaixo em direção às comunidades ribeirinhas de Nova Canaã, Nova Jerusalém e Lindo Amanhecer.


Navegando pelo rio, considerando sua imensidão de águas escuras, com margens que chegam a quilômetros uma da outra, é compreensível que em comunidades remotas, distantes da capital Manaus, a energia elétrica, como a conhecemos em nossas casas, não chegue até lá. Na maioria delas, pela geografia, o volume de águas e a quantidade de consumidores finais se torna inviável a implantação de toda a estrutura - pelo lado financeiro e operacional. A pouca energia que chega ali é movida, principalmente, por motor a diesel e não é suficiente para subsistência, é para dar o mínimo de conforto para essas famílias, como observa Hugo Fumian, colaborador da EDF Norte Fluminense e voluntário pontual da ação.


E é aí que o Litro de Luz, ONG que busca levar energia sustentável por meio da energia solar, entra!


Feitos com materiais como: canos de PVC, garrafas pet, alguns circuitos, bateria e uma pequena placa solar, a ONG produz, distribui e instala para as comunidades lampiões e postes que iluminam as ruas de chão batido e os caminhos por onde eles passam.


Antes de partir aprendemos como montaríamos as soluções energéticas que entregaríamos aos moradores. Lampiões e postes movidos a energia solar. Ali a integração entre todos ocorre de modo natural. Com um manual autoexplicativo, seguimos os passos e logo escutam-se gritos e palmas de entusiasmo de alguém que conseguiu montar e gerar energia no lampião. A sensação é única, acreditem!


Precisamente, às 20h09, partimos da marina, com uma parada técnica de abastecimento em um posto de combustíveis flutuante no meio do rio. A noite foi de adaptação, montagem das redes e boas conversas. Criamos ali conexão humana e intensa, algo que nos moveria pelos próximos dias.


A noite se passou e o dia foi nascendo no horizonte Amazônico. O Rio Negro nos dá bom dia com um espetáculo de cores e sons. A movimentação começa e logo estamos prontos para a ação.


No primeiro dia, após breve reunião, conhecemos as nossas tarefas do dia. Descobrimos em qual função cada um atuaria. Um ciclo que vai desde a recepção, passando pela montagem, interação e entrega dos materiais. Nos tornamos peças em uma engrenagem que gira em sintonia.



Foi aqui, executando umas das funções que conheci a dona Marlene, 62 anos, mãe de 8 filhos vivos e alguns que “o rio levou”, como ela prefere dizer. De cara fechada, testa franzida e um olhar que não desviava do meu, lhe digo bom dia e pergunto seu nome. Ela responde: “tenho sangue de índia brava" e logo abre o sorriso. O olhar curioso, que me encarava fixamente, se tornou um olhar de amor. A conversa fluiu por mais de uma hora, recheada de histórias e viagens no tempo, com curiosidades sobre a comunidade em que ela chegou com apenas 4 meses de vida.


Dona Marlene, assim como toda comunidade de Nova Canaã, pulsa vida, sabedoria e a calma de um povo que é, de fato, feliz. Que tem sonhos realizáveis, mas ao mesmo tempo distantes, como conhecer o cantor Amado Batista e “andar de avião".


Após a montagem do seu lampião, pergunto a ela o que o projeto traz de novo para ela e para toda comunidade. Ela responde me olhando com obviedade: "Luz depois que o motor é desligado. Isso é algo que só existia com vela e lanterna. Agora a gente tem um lampião cheio das modernidades. Eu to muito agradecida”. Meus olhos por trás da máscara sorriram e os dela também. A gente, depois da nossa troca, sabia o que isso significava. Nos dias que seguiram, a cada comunidade, a cada nova história e novos sorrisos a gente se renovava! Na comunidade Nova Jerusalém tivemos banho de rio, crianças correndo e brincando, poesia e um trabalho intenso até o cair da noite, depois do primeiro poste de luz ter sido aceso. Na comunidade de Lindo Amanhecer, o engajamento dos moradores e a vista do lugar já dizia tudo!


Não quero me alongar mais, vou ficando por aqui. E você, que está lendo esse texto, se puder fazer parte ou apoiar de algum modo esta ação realizada por jovens com propósito de fazer mais pelo mundo, faça!


Uma vez Litro de Luz, sempre Litro de Luz.

Até onde o rio percorrer...



Por: Adriano Araújo

Jornalista, colaborador da Sinop Energia e, orgulhosamente, um voluntário pontual do Litro de Luz.



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